Legião Urbana é homenageada em nome de aracnídeo

A maior banda de rock do Brasil, Legião Urbana, foi homenageada pelo biólogo e professor Paulo César Motta – pesquisador que descobriu uma espécie nova de aranha, do gênero Argiope legionis. O aracnídeo foi descoberto no Cerrado.

Paulo César explica como tudo começou. “Nos anos 80 assisti uma apresentação no Rio, nas imediações da Tijuca. Foi meu primeiro (e único) contato com a Legião Urbana ao vivo. E fui me interessando cada vez mais pela banda, até hoje. Ser fã de Legião Urbana é mais do que compartilhar gosto musical ou sensibilidade poética. É sentir que as letras e músicas, embora eternas, possuem um componente histórico ou cronológico marcantes, pelo menos na minha vida pessoal”, disse o professor. “Eu não sabia da doença de Renato Russo, e a notícia na TV sobre sua morte me deixou perplexo. E as lágrimas caíram, copiosamente. ‘Porque tá chorando, Papai?’, perguntou meu filho, com cinco anos na época. Não era hora de bancar o estereótipo paterno, o pai que não se abala com nada. O lado racional foi por água abaixo, literalmente”, explicou.

Natural de Arroio dos Ratos, no Rio Grande do Sul, Paulo César graduou-se em Biologia na Universidade Federal do RGS (Porto Alegre), depois fez mestrado e doutorado na UNICAMP (Campinas/SP). Também é professor da UnB (Universidade de Brasília), no Instituto de Ciências Biológicas, Departamento de Zoologia.

Morador de Brasília há 20 anos, manteve o amor pela banda e seguiu carreira como biólogo. Até que iniciou uma pesquisa para organizar uma coleção científica dos aracnídeos (aranhas, escorpiões, ácaros, opiliões e outros). “Realizamos muitos trabalhos de campo, com pesquisas no Cerrado, com coletas intensivas. E examinamos cuidadosamente as aranhas coletadas, tentando identificá-las. Quando me deparei com esta espécie do gênero Argiope, aranha de quase 2 cm, procurei saber quem ela era. Por sorte, as espécies de Argiope das Américas tinham sido estudadas. Ou seja, todas as espécies de Argiope eram conhecidas, e qualquer bicho deste gênero que não se enquadrasse nas descrições seria uma eventual espécie nova. Foi o que ocorreu”, relatou, em entrevista exclusiva ao Portal Renato Russo, o professor gaúcho.

A homenagem precisava ter dupla função. “Como a espécie foi descoberta nesta cidade, pensei em escolher um nome que remetesse à região, mas que também tivesse a ver com minha história. Nomes como candango e Brasília são geralmente utilizados para denominar espécies desta região. Pensei em algo diferente. Como fã da Legião Urbana, resolvi prestar esta homenagem. Como a norma de nomenclatura zoológica exige um nome em latim, o nome foi latinizado: legionis. E assim surgiu”. Ele explicou que tanto quanto as demais aranhas que constroem teia orbicular, as espécies de Argiope não representam perigo para o homem, pois o veneno é pouco potente. Raramente picam, e quando isto acontece, causam, em geral, no máximo dor local e temporária.

Para conferir a veracidade da descoberta, Paulo César a enviou para um dos maiores especialistas do mundo em aranhas, responsável por descobrir cerca de mil espécies novas. Era o professor Herbert Levi (da Universidade de Harvard, EUA), atualmente com 93 anos, “Ele disse que era uma aranha já conhecida, e eu, modestamente, questionei. Então enviei os exemplares das aranhas para ele, que posteriormente confirmou que realmente se tratava de uma espécie nova. Publicamos, em conjunto, a descrição da nova espécie”.

MOTTA, P.C. & H.W. LEVI. 2009. A new species of Argiope (Araneae: Araneidae) from Brazil. Zoologia 26: 334-336.

O biólogo especialista explicou que a descoberta de espécies novas é uma atividade comum, pelo menos em animais invertebrados. “O Brasil é um dos países com maior biodiversidade do mundo, e com vastas regiões pouco exploradas e pequeno número de estudiosos na taxonomia. Assim, em termos de aranhas, seria natural a descoberta de novas espécies no Cerrado, já que a estimativa é que cerca de 30 a 40% das aranhas do Cerrado sejam espécies novas. Mas é árduo o trabalho para verificar isto. Eu descobri esta, e poucas outras espécies; e esta importância deve ser relativizada. Modestamente, sei que sou o principal aracnólogo (especialista em aracnídeos) do Centro-Oeste, por ser talvez o único. E existem outros pesquisadores brasileiros, da atualidade, muito mais importantes, com dezenas ou centenas de descobertas de espécies novas”, contemporiza o pesquisador.

Paulo César diz que, para a população em geral, incluindo alunos do ensino médio e fundamental, a descoberta é apenas mais um exemplo do ‘inventário’ da nossa biodiversidade, e talvez da importância de preservar os ambientes naturais e despertar interesse naturalístico nos jovens alunos. “Ciência é uma aventura, é brincar de desbravar o desconhecido. Exige dedicação, empenho, muito estudo teórico (leitura) e prático (campo e laboratório), mas proporciona a alegria da descoberta”.

O descobridor da Argiope legionis traça um paralelo entre ciência e arte. “Cientistas e artistas atuam em campos diferentes, com predomínio diferencial entre a razão e a emoção. Mas o racional pode ser também emotivo, e vice-versa. No fundo, não existe muita diferença entre descrever uma espécie nova (trabalho científico) e escrever uma música (trabalho artístico); ambos contribuem para o acervo do conhecimento. E se a Legião atinge a minha emoção, a minha razão atinge a Legião”, finalizou.

Em fevereiro deste ano Paulo César Motta publicou o livro “Aracnídeos do Cerrado”, pela Editora Technical Books. A publicação pode ser encontrada no link abaixo:

Aracnídeos do Cerrado

Por Leonardo Rivera
Fotos: Paulo César Motta/Arquivo Pessoal