Quero minha nação soberana com espaço, nobreza e descanso

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Por Giuliano Manfredini

Tentam chantagear Renato Russo, meu pai, e a Legião Urbana com mentiras

Violar direitos autorais é crime e temos obrigação de lutar pelos nossos direitos com o que o Estado nos oferece

A falta de conhecimento e, pior, o não empenho em buscar as informações que tornam um fato verídico são os ingredientes perfeitos para criar notícias falsas, as já notórias e diabólicas “fake news”. Na era da comunicação, isso pode ser considerado o mal do século. Fui acusado recentemente de “censor” da cultura e de “usar” a Polícia Civil para intimidar supostos fãs e pesquisadores.

Vou resgatar um pouco do ocorrido, para que entendam a história lamentável. Foi enviado para a Legião Urbana Produções um email de Ana Paula Ülrich que na ocasião se apresentou como representante da agência de notícias Reuters e da TV Globo, inclusive usando um email com a extensão @reuters.com.

No email ela dizia possuir vários materiais inéditos, além de uma fita cassete com composições nunca antes vistas de Renato Russo e exigia a autorização para poder divulgar tal fita. E arrematava afirmando que a mesma já tinha sido registrada como direito da Reuters, uma das maiores agências de notícias do mundo. Tudo muito estranho.

De forma impositiva, Ana Paula queria forçar uma situação que não tinha nenhum cabimento. Vale lembrar que faz pouco, mais precisamente sete anos, assumi a direção da Legião Urbana Produções e passei a cuidar, preservar e divulgar o legado de Renato Russo, meu pai, que nos deixou em 1996.

De sua partida até 2013, outras pessoas tinham acesso ao acervo deixado por ele. O que não faltam são áudios, vídeos, manuscritos e até objetos pessoais espalhados por aí. A produção de meu pai, genial e irrequieto, foi exuberante, prolífica, imensa.

Mas vamos à lei. Violar direito autoral é crime! E mais grave ainda é usar o material obtido ilicitamente para tentar constranger alguém a fazer algo, para a obtenção de vantagem econômica. E foi o que a invisível Ana Paula Ülrich tentava fazer por meio de seus emails.

Além de afirmar ter em sua posse uma fita que foi retirada do apartamento do meu pai (algo que não poderia ter sido feito antes de eu atingir a maioridade e assumir sua herança), Ana Paula se apresentou falsamente como jornalista da Reuters e da Globo, afirmou ter a posse de um objeto furtado (a fita fazia parte do acervo de Renato Russo) e tentou forçar a autorização da divulgação, mediante fraude e ameaça.

Esses elementos são suficientes para entender que as ações de Ana Paula (ou, mais precisamente, de quem se passa por ela) constituem um gravíssimo conjunto de crimes, a começar pelo de falsa identidade.

Percebendo que as coisas fugiam de meu controle, e constatando que estava sendo alvo de criminosos, decidi noticiar tais fatos ilícitos, graves crimes, à Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial. A partir de então, a investigação seguiu rumo próprio e a diligência realizada, que gerou o ataque ao qual agora respondo, foi requerida por um delegado de polícia e deferida por um juiz de direito, após concordância do Ministério Público.

O direito autoral no Brasil não é novo, é de 1916. A legislação autoral vem se atualizando e aprimorando, mesmo que com dificuldades para acompanhar as necessidades e demandas da nossa era da informação. Ainda que fazendo parte das nossas leis há mais de um século, até hoje não é levado muito a sério.

Não levar a sério o direito autoral é não levar a sério o artista e tudo que ele representa cultural e economicamente. A duras penas, o Estado reconheceu o papel da propriedade imaterial, quando criou no início dos anos 2000 as delegacias especializadas e órgãos de combate à pirataria.

O não conhecimento de que há uma delegacia especializada contra crimes de ordem imaterial faz com que muitas pessoas sejam lesadas e não cobrem a apuração dos fatos. No meu caso, fui acusado injustamente de “usar a polícia” como instrumento particular, para atender interesses meus. Isso é mentira. Desde quando defender direitos e denunciar criminosos é “usar a polícia”? Temos obrigação de lutar pelos nossos direitos com as ferramentas que o Estado nos oferece e pela qual pagamos com nossos impostos.

Continuemos com a história de Ana Paula. O Facebook entregou às autoridades policiais os IPs das páginas nas mídias sociais em que Ana Paula era administradora. Com isso foi descoberto que Ana Paula Ülrich não existia. Quem existe é Josivaldo Bezerra da Cruz Júnior, administrador do perfil falso, que se passava por Ana Paula e tentava chantagear a Legião Urbana, por meio do crime de falsa identidade.

Tal afirmação não é leviana. Por meio de perícias nos computadores de Josivaldo, foram descobertas interações da suposta Ana Paula com outras pessoas que diziam também ter objetos inéditos da Legião Urbana.

Longe de mim querer censurar ou impedir algum jornalista ou escritor de pesquisar, buscar informações inéditas e executar seu trabalho. Ao contrário, sempre incentivei, colaborei e aplaudi. Porém, neste caso, o que fizeram foi uma acusação falsa, mentirosa, que partiu de quem realmente não me conhece.

Desde que assumi a Legião Urbana Produções, além de ter recuperado financeiramente a empresa, a tornando saudável e produtiva, promovi a contratação de funcionários e direta e indiretamente a empresa gera dezenas de postos de trabalho. Em momentos de produção de shows, exposições e outros eventos, o número sobe para centenas, paga impostos e cumpre suas obrigações legais regularmente.

Dos trabalhos produzidos em minha gestão para dar acesso ao imenso acervo de Renato Russo a seus fãs, vale destacar o concerto “Renato Russo Sinfônico” e a megaexposição Renato Russo no Museu da Imagem e do Som, que foi premiadíssima.

Por minha iniciativa, o MIS, inclusive, catalogou milhares de peças que estavam mofando no antigo apartamento do meu pai e deleguei para profissionais capacitados o armazenamento e preservação do material, consolidando assim a maior recuperação de acervo de um artista na história de nosso país.

Já foram publicados três livros baseados nos diários de Renato Russo, dois filmes, peças de teatro, veiculação de obra em novela de horário nobre da Globo e selo comemorativo dos Correios em homenagem à data de aniversário de Renato Russo, dentre outras iniciativas. E os projetos não param. Teremos livros, documentários, exposições, lançamentos e shows. Renato Russo vive.

Sou herdeiro de Renato Russo, um mito, que pertence à história e a todos os que o admiram e o amam. Homem meticuloso e organizado, deixou tudo registrado e preparado para eu assumisse quando chegasse à maioridade.

Não tenho tempo ou disposição para conflitos com quem quer que seja. Com absolutamente ninguém. Minha missão é de paz, meu caminho é de trabalho e construção. Preservo o legado do meu pai. Só peço que antes de saírem falando mentiras sobre mim e a administração da Legião Urbana Produções, me procurem. Sou um homem com canais de fácil acesso de comunicação e ciente de que o diálogo é fundamental.

Respeito a missão da polícia, do Ministério Público e do judiciário. Espero que o trabalho em conjunto de tais organismos chegue de fato aos verdadeiros criminosos, as “Anas Paulas”, pois não creio que os crimes cometidos sejam obra apenas de um jovem aposentado por invalidez. Existem verdades inconvenientes e tramas secretas por trás de tudo isso.

Fonte: Matéria publicada na Folha de São Paulo, 30/11/2020